OTHER: Before You Leave, by Nikki

Before You Leave

BEFORE YOU LEAVE
por Nikki

O último ano do colégio era para ser um ano especial. E seria, se ela não tivesse perdido o seu melhor amigo. Mas, em meio à névoa da dor, ela percebe que tem algo errado. Com a ajuda dos amigos, talvez ela possa descobrir o que realmente aconteceu. E talvez possa também encontrar o amor.
Gênero: Romance, Escolar, UA
Dimensão: Longfic
Classificação: PG-17
Aviso: Liam Hemsworth tem um papel especial <3

ܔܢܜܔܔܢܜܔܔܢܜܔܔܢܜܔܔܢܜܔܔܢܜܔܔܢܜܔܔܢܜܔܔܢܜܔܔܢܜܔܔܢܜܔܔܢܜܔܔܢܜܔܔܢܜܔܔܢܜܔܔܢܜܔܔܢܜܔܔܢܜܔܔܢܜܔܔܢܜܔܔܢܜܔܔܢܜܔܔܢܜܔܔܢܜܔܔܢܜܔ

# Prólogo # Capítulo 1 # Capítulo 2#

 

 

Prólogo

 

Antes de me deixar, diga-me que vai ficar tudo bem,
que não há muito a dizer, e que tudo o que você sabe é que está na hora.
Antes que eu perca a chance de te dizer adeus novamente...
~Before You Leave - Racoon~


Isso não pode estar acontecendo.

Eu pausei no alto dos degraus, deixando que minha mãe passasse a frente  e entrasse no recinto. À esquerda, um grupo de garotas se abraçava, chorando escandalosamente.  Eu me esforcei para acreditar que a exibição era sincera e não só por causa do enxame de repórteres que estava atrás de mim, espocando seus flashes incessantemente.

— Essas garotas mal conheciam o Liam — murmurei apaticamente.

— Todo mundo conhecia o Liam — respondeu uma voz baixa ao meu lado. Eu me virei para ver , com os olhos tristes vagando pelas fileiras de cadeiras amontoadas de pessoas.

— Saber quem ele é não é o mesmo que conhecer.

Ela se virou para mim e me encarou por um longo instante. Por trás de sua aparência impecável, com uma roupa social preta e maquiagem leve, o sofrimento era bem evidente.

— Não seja assim, . Vamos lá. — Ela passou uma mão pelo meu braço e me puxou em direção a um pedestal com um grande livro aberto. Algumas pessoas a nossa frente assinavam o livro como quem assina um recibo de entrega. Aquilo me incomodou terrivelmente, e eu me remexi, desconfortável. — A propósito, o que é isso que você está usando?

Dei uma olhada na calça jeans escura e na camisa velha do Guns N’ Rose que havia vestido quando reuni força suficiente para sair da cama àquela manhã.

— Eu não sei. — Encolhi os ombros. Não era como se eu estivesse com humor para escolher o melhor look para a ocasião, então só pegara o que estava à mão.

— Está tudo bem — disse , tirando seu lenço xadrez com um pequeno sorriso encorajador. Ela o colocou em volta do meu pescoço e o amarrou de modo que cobria quase toda a estampa desbotada na frente da camisa. — É só um velório e não o tapete vermelho.

Enquanto esperávamos, eu deixei meus olhos vagarem pelas pessoas que estavam sentadas, algumas conversando, a maioria chorando, outras mexendo no celular... Parecia que toda a escola comparecera, embora eu mal conseguisse registrar os rostos conhecidos. A quantidade de pessoas ao nosso redor parecia aumentar gradativamente e eu comecei a me sentir sufocada. Como se percebesse meu desconforto, apertou meu braço, seus olhos marejados. Respirei fundo e desviei o olhar, tentando manter o controle.

Um empurrão fez com que eu desse de encontro com as pessoas que estavam na minha frente. Ronnie Miller , a namorada de Liam Hemsworth, passou por nós, junto com seu séquito de clones bem vestidos, ignorando completamente a fila. Depois de rabiscar como se desse um autógrafo — e sem se incomodar em tirar os óculos-escuros —, ela atravessou as enormes portas duplas do salão principal e ocupou uma cadeira na primeira fileira. Eu cheguei a sentir uma pontada de compaixão por ela. Que durou até ela retirar um espelhinho da bolsa e retocar o brilho labial.

— Eu não quero fazer isso — exalei.

— Tudo bem, é só ignorá-la — sussurrou amargamente.

— Não, não é isso. Eu só... não posso. Eu não vou fazer isso.

...

— Não! Ele está morto, não é como se ele estivesse vendo toda essa... palhaçada! — Eu apontei para as garotas que continuavam com seu espetáculo dramático. — Eu não vou fazer parte deste circo. Diga a minha mãe que precisei tomar um ar.

Eu me virei e saí antes que ela tentasse me impedir. Estava prestes a descer os degraus para fora do prédio quando algo me fez parar. No corredor que seguia para o lado oposto do salão do velório, eu vi um garoto se esgueirando para uma das salas. Um garoto alto e muito familiar.

Meus pés começaram a se mover antes que eu tivesse oportunidade de raciocinar. Os saltos das minhas botas estalavam contra o piso soando como batimentos cardíacos, lentos e constantes. Eu passei pelo cômodo onde os caixões ficavam expostos — ao menos eu esperava que fosse isso, e não uma sala de espera para os próximos defuntos na fila do velório —, mais à frente por uma sala cheia de cadeiras florais e, por fim, um escritório. No final do corredor, a porta da sala de casacos estava entreaberta. Eu andei até ela e a abri, uma série de calafrios percorrendo meu corpo.

Se eu estivesse em um filme de terror, essa seria a parte onde eu seria morta.

Para a minha surpresa, a sala estava vazia. Um dos casacos pendurados balançava, como se alguém tivesse acabado de passar perto demais, mas não havia ninguém. Nenhuma saída também, além da que eu tinha acabado de usar. Tudo o que eu podia sentir era o ar gelado da ventilação soprando sobre mim, me congelando até ossos.

— É uma pegadinha, não é? — minha voz, mesmo baixa e trêmula, ecoou pela sala vazia. — Tem que ser algum tipo de brincadeira. É uma coisa que você faria. Pode parar de se esconder, eu vi você. — Eu refreei um soluço, empurrando o choro de volta para minha garganta. — Não tem graça, Liam! Ouviu? Não é nem um pouco engraçado! Eu vi você!

Não houve resposta. Ninguém apareceu apontando para o local onde estaria a câmera escondida. Ninguém me dizendo para entrar na brincadeira e ajudar a enganar o pessoal mais um pouco.

Porque não era uma pegadinha. Liam estava realmente morto.

Eu estava delirando, era isso. A dor estava me levando a ver coisas. Não sei quanto tempo fiquei ali até que finalmente empurrei a porta e marchei para o corredor, de volta ao velório. Os pais de Liam estavam agora sentados na primeira fila, ao lado de Ronnie, e o ministro discursava do púlpito. O caixão marrom-escuro estava aberto, e eu tive um vislumbre do rosto de Liam, os olhos fechados sobre a pele pálida como se estivesse dormindo dentro da caixa forrada de cetim marrom. Comecei a me aproximar pelo corredor central, meus olhos fixos no rosto inchado e brilhante. Como uma estátua de cera. Talvez fosse isso. Um manequim de cera para uma brincadeira de extremo mau gosto. Parei em frente ao caixão, sem ter certeza do que estava vendo, e estendi a mão para tocar o rosto imóvel. Um forte soluço atrás de mim fez com que eu recolhesse minha mão, e então eu senti dois pares de braço me agarrando, um de cada lado. Eles me guiaram apressadamente para fora do recinto, deixando para trás um alto coro de soluços e flashes das câmeras. Todo meu corpo tremia e minha visão parecia tomada por uma espessa névoa branca.

— Mãe? — Ela estava ao meu lado, me confortando e esfregando minhas costas. Eles me guiaram para o estacionamento, em direção ao carro, em meio aos cliques das câmeras. Eu mal podia andar. Meus joelhos pareciam gelatina, e estava cada vez mais difícil respirar. Braços fortes me ajudaram a deslizar para o assento de passageiro do carro da minha mãe, e eu finalmente percebi que era quem estava me ajudando. Ele empurrou uma garrafa de água para minha mão.

— Você está bem, ? — perguntou minha mãe, se abaixando ao meu lado. Ela havia adotado sua cara de enfermeira, e eu sabia que se dissesse a coisa errada acabaria passando a noite no hospital.

— Acho que ela está em choque — disse , firmando minhas mãos ao redor da garrafa.

— Não está ajudando, . — Eu afastei as mãos dele e olhei para minha mãe, que estava claramente à beira do pânico. — Eu estou bem. Só um pouco... sufocada. Podemos ir para casa?

Ela assentiu e deu um tapinha nos meus joelhos, antes de se levantar e dar a volta no carro. me girou no assento, colocando minhas pernas para dentro, e se abaixou para me ajudar a colocar o cinto. Atrás dele, próximo à funerária, Liam estava de pé sendo completamente ignorado pelos repórteres.

— Ali — eu agarrei pelos ombros e o obriguei a se virar em direção à calçada. Ele ficou na frente do meu campo de visão por um instante e quando consegui me desviar, Liam não estava mais lá. Eu pisquei. — Você viu?

— O quê? — ele se ergueu, ainda procurando o que poderia estar me afligindo.

— Não viu ninguém na calçada? — perguntei, fraca.

— Não. — se voltou para mim, com a testa franzida. — Por quê?

Eu suspirei e fechei os olhos, recostando a cabeça contra o assento.

— Não importa. Acho que o suco de uva que eu tomei no café da manhã estava fermentado. Eu só preciso descansar um pouco.

Ele assentiu e fechou a porta. Eu soltei meu cabelo do coque desleixado, sentindo o despontar de uma familiar dor de cabeça.

— Me liga mais tarde, quando estiver melhor — pediu, segurando minha mão sobre a janela. Eu assenti e dei um pequeno aceno, enquanto minha mãe manobrava o carro.

Mantive os olhos fechados por todo o caminho de casa, tentando não pensar nas milhares de fotos do meu pequeno surto ao lado do caixão que estariam sendo postadas naquele exato momento e nem no rosto de Liam no caixão.

Eu falhei nos dois casos.

 


N/A: Oiee! I'm back com uma longfic!
Bem, pra começar, não se espantem com o clima meio mórbido do prólogo. Prometo que o resto da fic terá um clima bem mais leve, exceto por algumas poucas e singelas pinceladas de "mistério" mais pra frente.
Se alguém se interessar e for acompanhar, eu continuo ^^


 

Capítulo 1

 

Eu acordei com o sol brilhando com força total através da janela do meu quarto. Gemendo, eu rolei na cama e olhei para o relógio digital. Os números brilhantes no visor, indicando que já passava das 4 da tarde, me fizeram afastar o edredom e me levantar de um salto. Abri a porta, mas a casa estava no mais completo silêncio. Eu desci as escadas e fui recepcionada por Fay, minha gata preta, que começou a se esfregar nas minhas pernas.

— Ei — cumprimentei, me curvando para acariciá-la. — Sentiu minha falta?

Andei até a cozinha e peguei o bilhete que minha mãe havia deixado preso na porta da geladeira.

,
Plantão dobrado de novo
 Tem comida pronta na geladeira, é só esquentar.
Não se esqueça de preparar as coisas para a reunião amanhã.
Qualquer coisa, me liga.
Beijos,
Mamãe.


A lembrança de meus compromissos escolares fez com que eu amassasse o papel e o arremessasse na lixeira. Não queria pensar que faltava pouco menos de uma semana para o início das aulas, para uma vida que nunca mais seria como antes.

Eu achei a comida na geladeira e coloquei no micro-ondas. Estava me acomodando no balcão para folhear a revista médica que minha mãe assinava, quando Sweet Child O’ Mine começou a tocar. Levantei-me e segui o som até a sala, onde meu celular vibrava sobre a mesinha de centro. Eu conhecia o toque, sabia que era o , por isso hesitei em atender. Quando o celular silenciou, eu o alcancei. Havia dezesseis chamadas perdidas dos últimos dias, de amigos da escola e até uma dos pais de Liam, mas a maioria era de e . Peguei o aparelho e voltei para a cozinha. Não tinha a intenção de retornar as chamadas, não ainda.

Estava prestes a dar minha primeira garfada na comida, quando o celular voltou a tocar, dessa vez com Crazy, do 4Minute. Mordi os lábios e fiquei encarando o aparelho por alguns instantes, até que decidi atender.

— Ei, .

Ei! Como você está? Eu liguei mais cedo, mas sua mãe atendeu. Ela disse que você ainda estava dormindo.

— É, eu meio que apaguei.

Como está se sentindo? Melhor?

Eu suspirei, afundando no banco.

— Estou — respondi hesitantemente, remexendo minha comida requentada. — Eu não sei o que deu em mim naquele dia... Acho que foi um ataque de pânico ou algo assim.

Os acontecimentos do velório pareciam tão surreais que eu preferia relegá-los a algum canto escuro e intocável da minha mente. Cinco dias haviam se passado, mas tudo o que eu fazia era dormir, comer  e qualquer outra coisa que me desligasse do mundo real. Recusava-me a falar e mesmo lembrar de tudo o que tinha acontecido desde o dia em que Liam não tinha voltado para casa. Até agora.

Contanto que você esteja melhor... — Havia uma ligeira hesitação em sua voz, como se ela estivesse esperando para avaliar minha reação. Eu afastei meu prato e arrastei minha mão pela testa, lembrando a minha cena no velório.

— Droga. Foi tão ruim assim?

Houve uma pequena pausa do outro lado da linha.

Nada tão terrível. Mas acho que você criou uma tendência. Até o final do velório, umas trinta garotas se jogaram em cima do caixão, chorando escandalosamente.

Eu suspirei novamente, mas dessa vez, liberando a tensão que havia retido.

— Ok, é melhor ser considerada attention whore do que maluca, não é? Nenhum vídeo viral?

Algumas garotas postaram fotos, mas nenhuma de você.

— Ótimo, talvez alguns dias sejam o suficiente para que todo mundo esqueça do meu pequeno espetáculo. — Eu puxei meu prato para perto outra vez e levei um punhado de comida à boca.

Involuntariamente, eu me lembrei do dia fatídico, quase duas semanas atrás, quando a sra. Hemsworth havia me ligado perguntando pelo Liam, que não tinha passado a noite em casa. Eu só me preocupei por um segundo, antes de lembrar que era isso que os garotos faziam. Se juntavam para encher a cara e depois se esqueciam de voltar para casa.

Mas havia uma falha nessa teoria, porque eles sempre avisavam. A sra. Hemsworth já havia entrado em contato com alguns dos amigos dele, mas eu fiz questão de ligar para os que faltavam. E nada, ninguém sabia onde ele estava. Ninguém o tinha visto na noite anterior. Foi quando a polícia entrou na história e acabou achando o carro dele próximo à ponte da velha torre de rádio. Já era noite quando eles finalmente localizaram o corpo dele no rio, que havia sido arrastado pela corrente.

Eu nunca ia esquecer o choque daquele momento. Até então, estávamos nos agarrando à esperança — ainda que absurda — de que o encontraríamos com vida. Provavelmente caído em algum canto, com uma ressaca tão forte que até tinha esquecido o caminho de casa. Então, depois de brigar com ele pela irresponsabilidade, nós daríamos boas risadas e a ocasião viraria motivo de zoação pelo resto do ano. Mas não foi o que aconteceu.

Descobrir que ele estava morto, foi como ter uma parte de mim arrancada. Foi como um pesadelo — um pesadelo inimaginável — se tornando realidade.

Do outro lado da linha, suspirou, me trazendo de volta para o presente. Eu engoli com força, esperando que a comida ajudasse a empurrar o bolo de angústia que voltava a se formar na minha garganta. Ele havia estado muito presente nos últimos dias.

, eu sei que está sendo difícil para você... Mas a vida continua — sua voz soou trêmula e fraca no final, e eu não sabia se ela estava afirmando aquilo para mim ou para si mesma. — Tem que continuar.

— Não continua para o Liam.

Outro suspiro.

Você acha que ele ia querer isso? Que você se colocasse em luto eterno?

— Não faz nem duas semanas!

Eu sei! Mas ficar eternamente chorando por ele não vai trazê-lo de volta! — Ela fez outra pausa, como se tentasse se acalmar. — Olha, quando se cansar de chafurdar na lama, que tal ajudar a me preparar para a volta às aulas? Estou indo na Bloomies comprar algumas coisas.

Automaticamente a raiva fervente dentro de mim se acalmou e deixei escapar um sorriso fraco.

— Quando você vai superar essa sua paixonite pelo balconista gato da Bloomingdales?

No dia em que a bunda dele deixar de ficar tão gostosa naquela calça.

Dessa vez eu ri, um riso que soou falho e estranho até para os meus próprios ouvidos.

— O que acha disso?

E ele tem que achar alguma coisa, aquele imbecil? — Ela bufou, fazendo meu sorriso se alargar ainda mais. Eu esfreguei os músculos da minha bochecha, doloridos pela falta de uso. Não havia um caso de amor incubado mais profundo do que o desses dois em toda América. — Vamos lá, se eu for sozinha, ele vai achar que eu o estou stalkeando.

— Você está stalkeando — repliquei, voltando a comer.

Bem, sim, mas ele não precisa saber!

Eu considerei a ideia de sair um pouco do casulo, mas descartei assim que percebi meu estado. Meu cabelo estava sujo, meu rosto inchado e os olhos vermelhos, e enfrentar meu guarda-roupa seria como adentrar em uma zona de guerra. Levaria no mínimo algumas horas para que eu conseguisse me aprontar.

— Talvez na próxima vez.

Tudo bem — ela suspirou, conformada. — Você fica me devendo essa.

— Claro. Podemos fazer alguma coisa no fim de semana.

Mas ela obviamente não podia esperar até o fim de semana.


Eu acordei no dia seguinte com uma súbita batida na minha porta.

— Ô, de casa! — colocou a cabeça para dentro do quarto. — Você está decente?

Eu relanceei o relógio. 8:46h. Filha de uma rapariga.

— Não, estou nua — menti em um resmungo, enterrando o rosto no travesseiro. — Vá embora.

— Poxa, amiga, eu venho aqui lhe contar uma novidade e assim que você me trata? — A porta rangeu e eu pude ouvir seus passos se aproximando da cama.

— Tenta de novo daqui a cinco horas. — Ela estalou a língua em desaprovação, e eu senti o colchão ao meu lado se afundar ligeiramente. — A propósito, como você entrou?

— Eu sei onde vocês deixam a chave reserva.

— Vou me lembrar de trocar o esconderijo — gemi, virando o rosto em direção a ela. Um aroma agradável e conhecido preencheu meus sentidos e me fez abrir os olhos instantaneamente.

— Trouxe combustível — ela disse, indicando a bandejinha descartável com dois copos do Starbucks e um saco de croissants. Eu me sentei na cama e tentei pegar um dos copos, mas ela tirou do meu alcance. — Ahn, ahn. Primeiro a palavrinha mágica.

— Eu te amo. Me desculpa. Você pode invadir minha casa sempre que quiser, mesmo a essa hora da madrugada em plenas férias.

Ela gargalhou.

— Você é patética, sabia? — entregou meu capuccino e se acomodou na cama ao meu lado.

Essa era a primeira vez desde o incidente que eu acordava sem estar com a cabeça pesada e os olhos ardendo. Também havia sido a primeira noite que eu não chorava até dormir. Antes que eu pudesse mergulhar na depressão novamente, afastei as lembranças ruins e, nós pudemos apreciar nosso café da manhã em um silêncio confortável. Até que a comida acabou.

— Então, qual é a novidade? — perguntei.

Ela pegou um guardanapo para limpar a boca.

—Eu encontrei os garotos no shopping ontem...

— Que garotos?

— Os de sempre. , Nico, Miles e... . E eles estavam dizendo...

— Ei, foi por isso que você quis ir às compras ontem? Sabia que eles iam estar lá?

— Não—

— Stalker.

— Pare de me interromper. Então, eles estavam falando que a equipe de lacrosse vai se reunir hoje à tarde.

— E?

— Você sabe, a gente podia passar lá para dar uma força para eles.

— Por quê?

— Sei lá. — Ela deu de ombros, tentando parecer desinteressada. — É meio que uma tradição as garotas irem assistir as seletivas, dá sorte e tal.

Por garotas, lê-se namoradas.

— Você por acaso está namorando algum deles e não me contou? — perguntei, estreitando os olhos.

— Não, idiota! — me deu um tapa no braço. — Mas eles são nossos amigos. Além disso, nós vamos ter que ir para a reunião do conselho estudantil mesmo.

Nós? Você não faz parte do conselho.

— Eu vou para te dar apoio moral.

Eu revirei os olhos.

— Ah, claro. Muito altruísta da sua parte.

— Eu sei.

queria sair, mas eu tinha muito que fazer, então ela ficou e me ajudou a organizar o guarda-roupa. Depois do almoço, ela foi para casa e voltou mais tarde para me pegar.

— Não sei por que nós tivemos que vir tão cedo — reclamei, retocando meu batom no espelhinho do quebra-sol. Nós estávamos paradas no estacionamento do colégio já há vários minutos. — A reunião só começa às quatro e meia.

— Você tem que chegar cedo para dar o exemplo, ora. Olha, eles estão chegando — ela disparou, fechando meu quebra-sol com um tapa. — Como estou?

— Nada mal, para uma stalker — respondi, antes de descer do carro, não sem antes ver que ela me mostrava o dedo do meio. Uma fofa.

e , que estavam atravessando o estacionamento, nos viram e vieram em nossa direção.

— Hey, girls — cumprimentou , com um enorme sorriso. deu a volta na frente do carro e ele foi para o lado dela, colocando o braço ao redor de seu ombro. — Veio me ver?

— Ah, por favor! — Ela tentou se livrar das garras dele, em vão. Como se ela realmente quisesse...  — Eu só vim dar uma carona para a presidente do conselho estudantil.

Vice-presidente — ressaltei.

— Agora que Taylor se formou, é óbvio que você vai ficar com o cargo — disse , parando à minha frente.

— Nada está certo até votação. Oi.

— Oi — ele sorriu. — Você parece bem.

Eu franzi a testa diante da escolha de palavras. Não havia levado duas horas para arrumar o cabelo, escolher a roupa e fazer uma maquiagem perfeitamente discreta para ouvir que eu estava bem.

— Se você diz...

— Eu liguei para você algumas vezes.

— Eu sei. — Me virei e comecei a andar, embora soubesse que não poderia escapar, já que ele me acompanhava de perto.

— E você não atendeu nem retornou. Eu estava preocupado.

Achei que ele poderia ficar ofendido se eu dissesse que não estava com muita disposição para falar com ninguém — exceto —, então enlacei o braço dele e o forcei a continuar andando em direção ao prédio escolar.

— E então, o que vocês estão fazendo aqui? — perguntei. Como se eu não soubesse.

— Seletivas. Decidiram começar mais cedo esse ano.

— Uh, novos jogadores, hein?

Ele se desvencilhou do meu braço para abrir a porta, fazendo um gesto para que eu passasse.

— É e... escolher um novo capitão.

Eu estaquei e me virei, estava com as mãos nos bolsos, a dor queimando em seus olhos. Foi só nesse momento que eu percebi o quanto eu estava sendo egoísta nos últimos dias, afinal eu não era a única que estava sofrendo com a perda de Liam.

— Ouvi dizer que você é o mais cotado para o cargo — provoquei, na intenção de distraí-lo. Ele balançou a cabeça, ainda triste.

— Não acho que...

— Ei, vocês dois vão vir ou não? — chamou , que já estava bem à frente, com . — Estamos atrasados!

Eles continuaram andando e saíram de vista, sem esperar resposta.

— Vai lá, eu tenho que ir para a minha reunião — falei para .

— Quer fazer alguma coisa mais tarde?

— Depois da seletiva? — Ele assentiu. — Claro.

Eu sorri e comecei a me afastar de costas.

— Ei, cadê meu beijo de boa sorte?

Os cantos dos meus lábios se tencionaram, numa tentativa de conter o sorriso. Esse era o que eu conhecia. Eu peguei a mão que ele tinha estendido, aproximei meu corpo do seu e estaquei, sendo inundada pelo cheiro familiar da loção pós-barba. Então dei um beijo rápido em seu rosto e tentei me desvencilhar. Ele riu e passou o braço que estava unido ao meu pelas minhas costas, me mantendo cativa.

— Vou ter que te ensinar como se beija de verdade?

— Dá um tempo, . — Eu dei um tapa em seu peito e me desvencilhei.

— Se eu for tirado da equipe, já sabe, a culpa é sua e desse seu beijo fajuto.

— Isso vai partir meu coração — dramatizei, me afastando. Eu dei um beijo na minha mão e soprei para ele, que fingiu agarrar e segurar contra o peito.

— Tente não ser muita má com seus membros.

— Te vejo mais tarde — acenei, dispensando-o.

Eu ainda fiquei parada por alguns instantes, observando-o se afastar. Quando ele finalmente sumiu de vista, eu me virei abruptamente e me vi prestes a dar de encontro com um tórax largo vestindo uma camisa azul turquesa e um casaco escuro por cima. Tentei me frear, mas era tarde demais, meu corpo se precipitou para frente, eu fechei os olhos e... Nada.

Por um segundo, um ar frio envolveu meu corpo, me fazendo estremecer, mas isso foi tudo. Abri os olhos e olhei ao redor, esperando ver alguém com um reflexo tão bom que tinha conseguido se esquivar, mas não havia ninguém. Eu estava completamente sozinha no corredor silencioso.

Ótimo. Estou ficando paranoica.

Eu me apressei em direção à biblioteca, sentindo meu coração prestes a sair do peito e os olhos marejando. Tinha certeza de que cada pelo do meu corpo estava erriçado.

Para minha surpresa, todo o conselho já estava me esperando, sentados em uma das mesas redondas da biblioteca. Quando me viram, eles pararam de conversar e acenaram. Lucy Choi, uma asiática baixinha e hiperativa, se ergueu de um salto e jogou os braços finos e quentes ao meu redor.  E eles eram bem reais. Estava tão aliviada por ela também não ser uma miragem, que eu retribuí o gesto incomum sem pestanejar.

— Você está maravilhosa! — exclamou, se afastando para apreciar meu vestido floral sem manga, estilo anos 50.

Murmurei um agradecimento e deixei-a me puxar para a mesa. Peter Lawton, nosso gênio matemático — e tesoureiro do conselho —, tocou a testa com dois dedos em saudação. Simon Woods, que foi meu parceiro de laboratório no ano anterior, se levantou e me deu um rápido abraço. Sua ex-namorada, Stacey Shelly, revirou os olhos e voltou à atenção para o celular em suas mãos. Ela não parecia muito feliz de estar ali. Provavelmente porque preferiria estar no ginásio, babando-ovo do .

— Vocês chegaram cedo — comentei, colocando minha bolsa na mesa. Simon se aproximou e puxou a cadeira para eu me sentar. O que foi surpreendente, já que ele nunca havia feito nada assim antes.

— Na verdade, você está atrasada — apontou Peter. Eu consultei meu relógio, antes de me sentar e pegar um caderno dentro da bolsa.

— Ainda faltam dezessete minutos para às 4:30h.

— Você marcou às 4h.

Eu marquei? Oh.

— Uh, talvez eu tenha me confundido.

— Não tem problema — assegurou Lucy afobadamente, tomando um gole de seu café. — Com tudo o que vem acontecendo, nós entendemos...

— Podemos ir direto ao ponto? — cortou Stacey. — Alguns de nós têm vida social.

Eu pisquei e olhei para minhas anotações, tentando colocar meus pensamentos em ordem, enquanto Simon voltava para seu lugar.

— Eu entendo, Stacey — comecei, devagar. — Sinto muito por afastá-la de sua agitada vida social, mas nós precisávamos nos encontrar para programar as reuniões regulares. E também para definir a data e o tema das Boas Vindas para passar para o Comitê de Baile.

Houve um silêncio estranho e eu ergui a cabeça para ver Stacey me encarando com o cenho franzido. Foi então que eu percebi o que estava errado. Ela e eu costumávamos passar as reuniões trocando farpas, onde eu geralmente perdia a paciência e pedia que se retirasse. Uma resposta compreensiva não era algo que ela — nem os demais — estava esperando.

Era uma pena decepcioná-la.

— Ok. — Ela finalmente falou, jogando seu cabelo loiro comprido sobre o ombro. — Bem, eu tenho ensaio de torcida até às seis na sexta, mas depois desse horário estou livre nas sextas que não tiverem jogos.

Eu fiz uma anotação no meu caderno, então me virei para Simon. Ele estava me encarando. Ao notar meu olhar, ele piscou.

— Ah, eu tenho treino nas segundas até às seis.

— Pete? — perguntei. Ele pegou o celular para consultar seu calendário.

— Às segundas eu mestro pro clube de RPG, então também não posso.

— Que tal antes das aulas? — sugeriu Lucy, quase saltitando. Os outros ao redor da mesa gemeram. Eu dei delicados tapinhas na mão dela.

— Nem todo mundo acorda com a sua disposição. — De algum modo, eu tinha conseguido que aquilo soasse como um elogio. — O que acham do primeiro sábado de cada mês, às dez no Pablo’s?

— Acha que uma vez por mês é suficiente? — perguntou Peter, franzindo as sobrancelhas por cima de seus óculos grandes.

— Acho que pode dar certo. Podemos manter contato por email ou Whatsapp para o caso de emergências.

— Adorei essa ideia! — Lucy bateu as mãos animadamente.

Eu estava prestes a fazer um comentário sobre seu nível de excitabilidade, mas Stacey fez isso por mim.

— Lucy, mude para o descafeinado. Sério. Antes que você exploda.

Eu ri. Por que eu e Stacey não éramos amigas mesmo?

— Ótimo. — Ela se virou para mim, com sua voz cheia de seu habitual veneno. — Mas é bom encaixar meu café da manhã no orçamento. De jeito nenhum que eu vou pagar para compartilhar uma refeição com vocês.

Ah, era por isso.

Olhei para Peter, que deu um aceno com a cabeça.

— Ok, então. Vamos nos encontrar novamente no próximo sábado, às dez horas. — Fiz outra anotação no meu caderno. — Agora só temos que decidir a data e o tema do Baile. Sugestões?

Dessa vez era Simon quem estava consultando seu celular.

— O primeiro jogo da temporada é dia 1º de outubro, sábado à noite.

— Então podemos programar o Baile para a sexta? — perguntei, e todos eles concordaram.

— Acho que o tema poderia ser esportes — Simon sugeriu, largando o celular e espalmando as mãos na mesa.

— Nãaao — protestou Lucy.

— Pela primeira vez, eu concordo com Lucy — disse Stacey.

— Que tal dragões? — propôs Peter.

Stacey fez uma bola de papel e jogou na cabeça dele, fazendo seus óculos se entortarem sobre seu nariz.

— Esquece, garoto-elfo.

— Eu gosto da ideia de contos de fada — disse Lucy sonhadoramente.

Visões de tutus rosas dançaram na minha cabeça, e eu estremeci.

— Tem alguma sugestão, Stacey?

Ela voltou seus olhos desconfiados para mim e então se inclinou para frente.

— Que tal um baile de máscaras veneziano?

Mal ela acabou de falar e eu já estava concordo. Nós ainda não tínhamos tido nada nesse tema, e era fantástico! Mas pela expressão de Simon, ele não era da mesma opinião.

— Elegante e clássico — eu disse. — Os garotos todos parecendo 007 com máscaras pretas, as garotas em renda e cetim. Gostei disso.

A menção a James Bond pareceu dar a Simon uma diferente perspectiva da coisa.

— Vamos votar? — disse Peter. — Aqueles a favor da ideia de Stacey levantem a mão. — Todos levantaram, menos ele.  Peter suspirou. — Proposta aprovada.

Lucy aplaudiu novamente.

— Ótimo. Eu vou avisar ao Comitê de Baile e ao diretor.

— Algum outro assunto? — Peter perguntou, antes de fechar seu notebook. — Então, reunião encerrada. Vejo vocês no próximo fim de semana.

Stacey saiu correndo, mas os outros não pareciam ter tanta pressa. Peter colocou a mão no meu ombro, enquanto passava.

— Boa reunião, sargento.

Ele tinha razão, eu percebi. Essa era a primeira vez que passávamos uma reunião inteira sem insultos, sem Stacey fazendo Lucy chorar e Simon se distraindo com o celular. Seria esse o prenúncio de um bom ano letivo?

Simon se afastou ligeiramente para procurar um livro nas estantes.

— Isso foi mesmo incrível — disse Lucy, me olhando afetuosamente.

Ao invés de me sentir bem, eu percebi que estava sendo “mimada” por causa da morte de Liam. Todo mundo sabia que nós éramos amigos de infância.

— Acho que sim. — Suspirei desanimadamente.

— Você geralmente é impaciente e sarcástica, mas hoje deu um show de autoconfiança e diplomacia — ela acrescentou.

Agora, isso me surpreendeu.

— Uh, obrigada?

Ela sorriu e se afastou, eu recolhi minhas coisas e peguei o copo vazio que ela havia deixado. Quando me virei, quase esbarrei em Simon. Bem, pelo menos ele era de carne e osso e não me causava calafrios.

— Ela tem razão. Você esteve ótima.

Eu murmurei um agradecimento e o rodeei, para jogar o copo no lixo. Quando estava seguindo para fora, ele se apressou para me alcançar.

— Então, quem você pegou em Biologia Avançada esse ano?

Eu fiz um esforço para lembrar o horário, que havia chegado por correio uma semana atrás.

— Uh, estou com o sr. Wells, eu acho. E você?

— Wells também. Quinta aula?

— É.

Ele sorriu, passando a mão pela parte de trás do seu cabelo ruivo.

— Então, quer ser minha parceira esse ano de novo?

Se eu bem me lembrava, no ano anterior ele havia aceitado fazer dupla comigo bem a contragosto.  Apesar de termos seguido em bons termos até o fim das aulas, não havíamos desenvolvido nenhum tipo de amizade. Então eu estava na dúvida se ele estava fazendo aquilo como um ato de libertação de sua ex-namorada — que nunca gostara de mim — ou se era justamente para provocá-la.  Para mim, qualquer uma das duas alternativas era bastante louvável.

Mas por que eu me sentia como se ele estivesse me convidando para sair?

— Sim, claro — concordei. Porque não acho que eu tinha diplomacia suficiente para dizer um “não” sem parecer arrogante. E a verdade era que, para mim, não fazia diferença com quem eu dividiria a bancada.

Nós nos despedimos, e ele se foi. Eu caminhei pela escola vazia em direção ao campo. O sol ainda estava brilhante lá fora e havia uma pequena multidão sentada na arquibancada de metal — o que me surpreendeu, embora não devesse. Tenho certeza de que muita gente estava ansiosa pelo futuro da equipe sem o aclamado capitão.

Passei os olhos procurando por , mas como não a encontrei, acabei me sentando na parte baixa. Era um bom lugar para que ela me achasse. Mas, ao invés de , quem se esgueirou para o meu lado foi Stacey.

— Desde quando você assiste aos treinos?

— Estou esperando o — respondi, cerrando os olhos por causa do sol. Eu pude senti-la me avaliando.

— Sabe, eu sempre achei que você tivesse uma quedinha pelo Simon.

— Simon? Não. De jeito nenhum.

Ela bufou.

— Você fala como se estivesse acima dele.

Respirei fundo, tentando considerar seriamente minhas palavras antes que elas escapassem pela boca e desfizessem toda a paz conseguida na nossa primeira reunião.

— Não é isso. É só que Simon é meu amigo, nada mais. Além disso, todo mundo sabe que ele é louco por você. — Isso. Por via das dúvidas, a lisonja sempre era um bom apaziguador.

Ela enrolou o cabelo, passando-o por cima do ombro.

— Bem, está acabado agora. Então, você vai atrás dele?

Ai, Céus.

— Não, eu não vou.

Stacey olhou para mim, pesando minhas palavras.

— Ok. Não que eu me importe, mas você sabe... — Não, eu não fazia ideia do por que ela estava me atormentando a respeito de um garoto que fazia parte do seu passado. Mas ela continuou antes que tivesse oportunidade de replicar. — Eu ainda me preocupo com ele. E o modo como você estava agindo na biblioteca...

Ela deixou a frase no ar, e meu queixo caiu. Eu? Acho que ela devia se referir ao modo estranho como ele estava olhado para mim e parecendo todo atencioso.

— Como é que eu estava agindo?

— Ora, você sabe. — Ela fez um gesto de desdém.

Prestes a mandar nosso silencioso acordo de paz pelos ares, eu me levantei.

— Olha, vou te contar um segredo. Eu estou saindo com o , por isso não tenho nenhum interesse no Simon. Então, não se preocupe porque eu não tenho a mínima intenção de arrancar minha roupa e pular no colo dele. — Eu poderia ter sido um pouco menos abrupta, mas acho que ela captou a mensagem.

Com o canto do olho, eu vi observando, então sorri e soltei um beijo para ele.

— Vocês fazem um casal bonito — avaliou Stacey, se levantando e apoiando na grade ao meu lado. Ela parecia muito satisfeita que minhas atenções estivessem em outro que não no seu ex. — Sabe, acho que a gente deveria sair algum dia desses.

— Seria ótimo. — Forcei um sorriso para ela e então me voltei para a quadra.

Em um dos cantos, lá estava ele de pé, usando a mesma roupa que eu o vi no velório e mais cedo no corredor. Liam. Sorrindo orgulhosamente em direção a , que tinha conseguido impedir um gol particularmente violento. Eu pisquei quando um raio de sol penetrou na minha vista e, como das outras vezes, Liam não estava mais lá.

— Tudo bem, ? — perguntou , chegando por trás de mim e pegando meu braço. — Você parece que viu um fantasma.

— Não tenho certeza que eu não vi — balbuciei.

— O quê? — Ela me olhou com a testa franzida.

— Hm, nada. Olha, acho que está acabando. — A equipe se reuniu em um grande grupo, enquanto o Treinador Cavill fazia os anúncios. Stacey sacudiu a poeira do short branco e foi em direção a eles, esbarrando em no caminho.

— Piranha — murmurou minha amiga. Eu estava mais interessada em observar o sr. Cavill, professor de Cálculo Avançado e provavelmente o professor mais gostoso do mundo, com seu cabelo preto cacheado domado e os olhos mais azuis que eu já vi. Todo músculo e sorrisos.

Ele era basicamente a razão de termos um verdadeiro batalhão de garotas nas aulas avançadas de matemática. Todo final de ano, ele dava uma grande festa na piscina da sua casa para os formandos. Minha esperança era de comparecer a desse ano e poder vê-lo em uma sunga. Pelo modo como inclinava a cabeça para olhar o traseiro dele, ela devia pensar o mesmo.

Depois de alguns minutos, o treinador disse algo que fez toda a equipe começar a gritar e aplaudir.

— Acho que ele anunciou o capitão — disse . Não dava para entender o que eles estavam falando, mas pelo modo como os outros se voltaram para e davam tapinhas nas costas dele, ficou óbvio quem havia sido o escolhido.

Eu pulei do último degrau da arquibancada e comecei a atravessar a quadra. estava sorrindo, mas quando fui me aproximando e pude ver seus olhos, percebi que ele parecia dividido entre estar feliz e a sensação de estar traindo seu melhor amigo ao ocupar uma posição que deveria ser do outro.

Eu parei a alguns metros de distância do grupo, esperando que os garotos terminassem com as demonstrações másculas de afeto. Quando a maioria começou a se dispersar para o vestiário, me viu e veio em minha direção. Ele ainda tinha aquele olhar dolorido, então eu corri para encontrá-lo.

— Estou suado — avisou, um segundo antes que eu pulasse em seu pescoço. Ele riu, os braços fortes rodeando a minha cintura e me erguendo chão. Então começou a girar comigo nos braços, minha barriga pressionada contra os músculos do seu peito e minhas mãos se emaranhando em seu cabelo molhado.

— Parabéns, sr. Capitão! — exclamei, quando ele parou de nos rodar. Eu estava meio tonta, mas pude reconhecer que seu sorriso agora era real. E encantador. Afastei uma mecha de seu cabelo molhado da testa, e me vi presa por aqueles lindos olhos castanhos, profundos e claros com a luz do sol, nos quais eu queria mergulhar.

Os seus olhos são como dois lagos de água cristalina; água que me chama, água que me inunda, água que me afoga. A cantada infame surgiu do nada na minha mente e quebrou a magia. Eu ri nervosamente e desviei o olhar. me pousou cuidadosamente no chão, aparentando não perceber o que tinha acabado de se passar comigo. Ainda bem.

Pelo canto do olho, eu vi que Stacey estava nos observando. Então resolvi que um pouco mais de garantia não faria mal. Eu segurei o rosto de entre as mãos e pressionei um beijo demorado no canto da sua boca, sabendo que do ângulo em que Stacey estava, pareceria que estávamos nos beijando.

ficou imóvel por um instante, provavelmente devido a surpresa, então virou ligeiramente o rosto e começou a separar seus lábios. Meu coração disparou, e eu me afastei imediatamente.

— O que foi isso? — ele perguntou em um sussurro, franzindo o cenho.

— Mais tarde — murmurei, olhando para o chão e esfregando as mãos úmidas no vestido. Mas não resisti de passar a língua nos lábios e sentir o gosto salgado da pele dele.

— Muito bem, capitão! — gritou , chegando por trás de mim e dando um soco de brincadeira no peito dele. Eu procurei por Stacey com os olhos, mas não tive como saber se meu beijo foi convincente, já que ela agora se agarrava com Nico.

Espera, Nico?

— Uh, eu achei que ela estava interessada no — comentei, sem pensar. Meus dois amigos se viraram para ver o que eu estava olhando.

— Estava — confirmou . — Mas ela deve achar que Nico faz um substituto à altura.

— Coitada. — Suspirei. Eu não desejaria uma paixonite pelo galinha do Nico Tortorella nem para a minha pior inimiga.

— Eu preciso de um banho — disse , tocando uma mancha úmida na frente do meu vestido. — Me espera aqui?

Eu assenti.

— Ei, por que você tem que esperar por ele? — se meteu.

— Porque ela vai sair comigo — explicou .

— O quê? — Ela se virou para mim. — Você me fez ficar aqui te esperando à toa?

Revirei os olhos. Como se fosse eu o motivo para ela estar ali.

— Não à toa — respondeu . — O carro do está na oficina, então você pode dar uma carona para ele.

— De jeito nenhum! — protestou ela, o que fez dar de ombros.

— Então ele pode ir a pé para casa.

— Olha, por que você não me encontra no Subway? — eu intervi, antes que replicasse que não se importava, e eles ingressassem em uma provocação sem fim.

— Tudo bem — ele concordou, esfregando o cabelo molhado.

— E leve o — decretei, empurrando em direção à saída.

 


N/A: No próximo capítulo, vamos saber um pouco mais sobre o que aconteceu com o Liam.
E a nossa PP, será que está vendo fantasmas ou só alucinando?
Não perca o próximo episódio, neste mesmo canal, nesta mesma hora.


Capítulo dedicado à Mayara <3


 

CAPÍTULO 2

 

— O que você tem com os balconistas? — perguntei para , enquanto íamos para a mesa. Eles haviam trocado tantos sorrisos brilhantes que por pouco não haviam me cegado.

— É como naquelas histórias onde a mocinha rica fica com o bad boy. — Ela deslizou a bandeja numa mesa próximo ao vidro e eu puxei a cadeira de frente para ela.

— Tem um furo no seu enredo, porque se esses caras fossem bad boys, eles seriam motoqueiros tatuados e trabalhariam em algo obscuro e perigoso, não em uma lanchonete ou loja  de shopping para pagar a faculdade.

Ela pareceu tão desolada por ter sua fantasia arruinada que eu quase fiquei com pena.

— Tem razão. — Sua desilusão durou apenas alguns segundos, até que ela ergueu o rosto com um sorriso brilhante. — Será que eu devo dar um guardanapo com meu telefone para ele?

Eu suspirei, olhando por sobre o ombro em direção ao balcão. O garoto era mesmo uma graça. Devia ter uns 20 anos, tinha cabelos loiros e pele dourada como de um surfista. Pegava fácil.

— O que acha de tentar uma história diferente? — sugeri. — Tipo, mocinhas que regeneram canalhas? Nós temos um monte desses na escola, sabe.

revirou os olhos.

— Eu passo.

Ela começou a comer seu sanduíche e eu entrelacei meus dedos sobre a mesa.

— Não vai perguntar por que eu beijei o ?

— Nah — respondeu com um gesto de desdém, depois de engolir um pedaço. — Me surpreende mais que você não tenha feito isso antes. Você tem uma queda por ele desde, tipo, a quinta série.

— Sexta — corrigi, ficando ereta na cadeira. — E eu já superei isso há muito tempo.

E era verdade. Eu havia meio que me apaixonado por ele quando era criança, mas acabou passando quando Liam — e eu, consequentemente — passamos a andar com ele na oitava série. Foi nessa época que nosso grupo de amigos começou a se formar, variando muito pouco ao longo dos anos.

— Ainda lembro a primeira vez que ele falou com você. — Ela riu, colocando um guardanapo na frente da boca. — Seu rosto ficou tão vermelho que eu sinceramente achei que ia explodir!

— Devemos falar sobre aquela vez que o pediu para fazer um trabalho de ciências com você, na oitava série, e você já começou a planejar o casamento?

— Eu nunca fiz isso! — Ela esmagou o guardanapo e o jogou contra a mesa.

— Eu ainda tenho o convite do casamento feito numa folha de fichário da Hello Kitty para comprovar!

abriu tanto a boca, que eu receei que ela tivesse a mandíbula deslocada.

— Sua cachorra! E o anel de chiclete que o te deu e você tem até hoje guardado no seu porta-joias?

— É da cor dos olhos dele — murmurei defensivamente. — Pelo menos, não fui eu que escolhi os nomes dos nossos futuros filhos.

— Você fez uma certidão de nascimento para sua gata e o colocou como pai.

Eu gargalhei com a lembrança.

— Nós éramos patéticas!

— Pelo menos eu já beijei o , e eu estou falando de um beijo de verdade — apontou depois de tomar um longo gole de refrigerante.

Ouch, isso foi golpe baixo. Eles haviam ficado na festa de ano novo. Depois de quinze minutos de um beijo digno de desentupidor de pia, sem nenhuma pausa para respirar, eles finalmente se largaram. E não pararam mais de brigar desde então.

— Hm, amanhã é aniversário do meu avô — ela comentou. — Eles vão fazer um bolinho para comemorar, mas você sabe como é.... com todos aqueles primos pentelhos e tias perguntando sobre namorados...  Um saco. Então, quer ir com a gente? Daí você pode dormir lá em casa depois, já que é dia de plantão.

— Hm, não precisa, obrigada.

— Você vai ficar bem sozinha?

— Eu já sou crescidinha, obrigada.

A minha garotinha já tão crescidinha e salvando a China. Tem um lencinho? — provocou , citando Mushu, personagem de Mulan. Eu peguei um guardanapo e joguei na cara dela, que o afastou, rindo.

Seguiu-se um silêncio, ela ocupada comendo e eu perdida em meus próprios pensamentos. Lembrando-me de Liam, obviamente. Cerca de uma semana antes do seu acidente, nós havíamos feito uma maratona de Arrow, tentando virar a noite assistindo a série. Lá pelas três da manhã, nós dois já havíamos adormecido. Agora não haveria mais maratonas de séries em dias de plantão, nem disputas pelo controle remoto ou pelo resto de sorvete. Não haveria ligações de madrugada só para me contar suas conquistas em um jogo online.

— Você acredita que pessoas podem nos assombrar? — perguntei, sentindo uma enorme opressão no peito, e então mordi meu lábio, ciente de que a pergunta não havia saído bem como eu queria.

— Claro.

Eu pisquei diante da resposta rápida e sem hesitação.

— Sério?

— Por exemplo, aquela garota da aula de literatura, Jessie, eu acho, ela me perseguiu tanto no ano passado, que às vezes eu tinha a impressão de que se abrisse os olhos de madrugada, ela estaria lá de pé, me assombrando. — estremeceu dramaticamente. Nós havíamos encontrado a Jenny, não Jessie, uma vez no shopping e se sentiu compelida a dar algumas dicas de moda para ela. Foi o que precisou para a garota  achar que minha amiga era a Cher (de As Patricinhas de Beverly Hills) encarnada e ela própria seu próximo projeto de caridade.

— Não, eu estou falando sério. De fantasmas. Você acredita que alguém que já morreu possa ainda estar... vagando por aí?

Ela mastigou seu sanduíche com calma, como se refletisse seriamente sobre assunto.

— Se o Discovery Channel me ensinou alguma coisa foi que os fantasmas estão por toda parte.

— Tá, mas... por quê? Quero dizer, não é todo mundo que vira fantasma, eu acho. Então, por que algumas pessoas simplesmente ficam para trás ao invés de passar, sei lá, para o outro plano?

— Hm, isso é fácil — ela disse, terminando de mastigar e limpando a boca com o guardanapo. — Todo mundo sabe que quando alguém vira fantasma é porque tem assuntos inacabados.

— Assuntos inacabados...

— Eu não sabia disso — disse uma voz grave às minhas costas. se aproximou e puxou a cadeira ao meu lado.

— Você, não sente — ordenei, me levantando. Um cheiro de hortelã invadiu minhas narinas, e eu me vi reprimindo a vontade de afundar o rosto no pescoço dele. Seu cabelo molhado, agora limpo, estava penteado para trás, fazendo-o parecer mais novo que seus 17 anos. — Vamos.

— Para onde? — ele olhou desamparadamente para o sanduíche quase acabado da . se sentou ao lado dela e tentou roubar uma mordida. Levou um tapa, para variar.

— Fazer um piquenique. — Fiz um gesto para que ele aguardasse e fui até o balcão. O atendente surfista da imediatamente pegou duas latinhas de coca no freezer e o saco com meus sanduíches que ele havia guardado para mim. — Obrigada.

— Você vai me deixar aqui sozinha com ele? — perguntou, quando eu voltei para mesa, apontando para o garoto que havia se levantado para comprar o próprio lanche.

— Só precisa fazer companhia enquanto ele lancha e depois levá-lo para casa — disse, sorrindo brilhantemente. — Se você se comportar, talvez ele te compre uma sobremesa.

Voltei minha atenção para o , que havia aberto o saco de papel e verificava os pedidos.

— Vamos, fominha. — Eu dei a volta na mesa e me inclinei para dar um beijo no rosto de . — Vocês dois se comportem — recomendei. Me virei para , que estava voltando, e também o beijei. — E depois daqui, vão direto para casa, ok? Ok.

Em resposta, ele me fitou com um olhar perdido, e resmungou alguma coisa malcriada.

— Para onde nós vamos? — perguntou, destravando o carro. Eu abri a porta, sentei e coloquei o cinto, esperando que ele fizesse o mesmo antes de responder.

— Para a Torre.

Ele calmamente terminou de colocar o cinto e então se virou no assento com o cenho franzido, pousando uma mão no volante e a outra no encosto do meu banco.

— Para onde?

— Para Apple Mountain Radio Tower — especifiquei, para o caso de ele estar pensando em alguma outra torre.

A velha torre de rádio ficava a uma boa meia hora de viagem para dentro do bosque. Eu só estivera lá uma vez, mas pelo que lembrava, não era muito difícil de chegar. Costumava ser um lugar popular para festas clandestinas, mas alguns anos atrás uns adolescentes bêbados estavam vagando por lá e foram atacados por um puma. Desde então, poucas pessoas se arriscavam a subir. Boa parte da torre estava agora coberta de vegetação e a velha passarela estava aos pedaços, com várias tábuas e outras coisas faltando. No ano anterior, eu estivera lá com um grupo voluntário da escola para colocar placas de aviso e interditar a entrada da ponte. Era irônico que nada disso tivesse sido o suficiente para impedir meu melhor amigo de cair para a morte.

— Okay — ele disse lentamente, como se ainda absorvesse a ideia, virando-se para frente.

— Se estiver com muita fome, podemos comer aqui mesmo antes de ir.

Ele piscou algumas vezes, então virou o rosto para mim.

— Você me tirou de lá de dentro para comer no carro?

— Foi só uma sugestão — dei de ombros. — Se acha que pode aguentar, então vamos.

Nós saímos do estacionamento e pegamos algum engarrafamento, por conta do horário, até chegar na autoestrada. Quando alcançamos a estradinha esburacada que levava à torre, o sol havia se posto completamente. Depois do que me pareceu uma eternidade chacoalhando na via escura, nós finalmente chegamos a um estacionamento de cascalho. As árvores eram mais altas e mais espessas do que eu me lembrava, por isso não dava para ver a torre, então eu não fazia ideia em qual direção ficava.

abaixou a capota, assim pudemos apreciar a noite clara de lua cheia e os ruídos da floresta. Por entre os galhos era possível ver as milhares de estrelas cintilando no céu.

— Não tem perigo? — perguntei, estremecendo. Esfreguei meus braços, e riu.

— Agora que você se preocupa com isso? — Ele se virou para o banco traseiro e pegou uma jaqueta, que colocou no meu colo. Ainda era verão, mas o ar ali na floresta parecia mais gelado. Então aceitei a jaqueta de bom grado. Cheirava a , eu notei, enquanto o vestia. — Vamos passar para trás, tem mais espaço.

E foi o que fizemos. Eu me sentei de lado no banco, sobre uma perna dobrada e estiquei a outra, pousando o pé descalço na perna de . Abri a sacola e peguei o sanduíche dele, enquanto ele abria as latinhas.

— Hmm, estou morrendo de fome — gemeu, quando o aroma saboroso encheu o ar. Ele pegou seu sanduíche e o abriu, espiando o recheio.

— Sem tomate e sem cebola. Eu lembrei.

sorriu, satisfeito, e deu uma grande mordida. Eu peguei meu próprio lanche, sem perceber o quanto estava faminta até notar que tinha devorado a metade em cinco segundos.

— O que foi aquilo mais cedo? — perguntou, entre mordidas.

— O quê? — Por um instante achei que ele estava se referindo ao Liam, mas então me lembrei que ele não fazia ideia das minhas alucinações.

— O beijo — esclareceu, limpando molho do queixo com o guardanapo. Eu contive um sorriso, pensando que havia maneiras mais prazerosas de fazer isso. — Não que eu esteja reclamando, mas você ainda tem muito que aprender.

Finalmente prestei atenção no que ele estava falando. Eu abaixei meu sanduíche e me estiquei para lhe dar um tapa na coxa.

— Sabe o que é... — comecei, voltando a me recostar no banco e desviando o olhar. — Pode ser que eu tenha dito para Stacey que nós estamos saindo.

Pode ser? E por que você faria isso?

Eu comi outro pedaço, antes de dar de ombros.

— Porque você é meu amigo, e porque se ela desse com a língua nos dentes, ninguém ia acreditar mesmo.

— Por que não?

— Ah, por favor. Você só não é mais galinha que o Nico. E talvez, só talvez, o .

Ele ficou em silêncio por alguns segundos, parecendo incomodado.

— Você ainda não me disse o motivo.

— Bem, Stacey acha que está rolando algo entre mim e Simon, e...

— Que Simon? Simon Woods? Sério,

— Cala a boca. Nós somos apenas amigos.

— Claro, assim como você e eu. E você acabou de me beijar na frente de toda a escola.

Eu revirei os olhos.

— Você sabe que não foi um beijo de verdade, idiota.

— Nós podemos corrigir isso. — Sorriu, provocante, enquanto passava a mão pelo meu joelho. — Ai!

— Mantenha suas mãos para si mesmo se quiser continuar com elas.

She is dangerous, she is dangerous, I know uoh oh oh — cantarolou a música de James Blunt com sua voz grave. Eu bati em seu peito com as costas da mão.

— Até hoje eu não sei porque você colocou essa música como meu toque — reclamei, enviando-lhe um olhar afiado.

—  But she's got my heart and she's never letting go — continuou dramaticamente, me ignorando.

Nós continuamos a comer, e eu consegui que falasse um pouco sobre a equipe de lacrosse. Ele não se esquivou das perguntas, mas suas respostas foram bastante impessoais.

— E como foi sua reunião? — perguntou, depois de juntarmos o lixo dentro da sacola de papel.

— Boa. Produtiva. — Eu sorri e tomei um gole de coca. — Eu nem discuti com Stacey hoje.

— Ugh, isso é um sinal do fim dos tempos.

Eu revirei os olhos para ele e continuei:

— Nós já agendamos a Festa de Boas Vindas. Decidimos por um baile de máscaras veneziano. Bem 007, sabe.

— Parece legal.

— Espero que sim. O Comitê é quem faz a magia acontecer, você sabe, toda a decoração e tal. Mas eu gosto de ajudar na arrumação, quando posso.

— Então, você vai? — perguntou, depois de alguns instantes de silêncio.

—No baile?

— Não, na lua. Claro que é no baile.

Eu dei de ombros.

— Não sei, se eu tiver companhia.

— Você devia ir comigo.

Devia?

— Por que não? Até o início das aulas todo mundo vai achar que nós estamos namorando.

Eu bufei. Esse tinha que ser o pior convite para ir a um baile que eu já tinha recebido. Pior do que quando Liam decidiu que nós devíamos ir juntos para a formatura da oitava série, só porque não queria dar esperanças sobre um possível relacionamento a nenhuma garota.

— Nossa, você é tão romântico que me espanta não haver uma enorme fila de garotas agora mesmo atrás de você.

tirou o lixo do caminho e deslizou no banco, se aproximando. Pousando um braço no encosto, ele tocou meu rosto. À luz da lua, seus olhos pareciam de um tom mais intenso, mais escuro.

... Água que me inunda, água que me afoga...

— Quer que seja romântico com você? — sussurrou, seu rosto a poucos centímetros do meu. Eu fiquei imóvel, só ouvindo nossas respirações, enquanto ele deslizava os nós dos dedos pela minha bochecha, descendo para o queixo e então subindo de novo até minha boca. Eu separei ligeiramente os lábios, abrindo a passagem para seu dedo, e então cerrei os dentes sobre ele. — Ai, você me mordeu!

— O que falei sobre manter as mãos para você? — Eu recostei a cabeça contra o encosto, levantando a vista para o céu, e fez o mesmo, passando o braço por trás de mim. — O Liam tinha costume de vir na Torre?

Eu percebi que ficou tenso ao meu lado e respirou profundamente. O silêncio se estendeu por tanto tempo que achei que a resposta não fosse vir.

— Ele vinha às vezes com a Ronnie... Você pode imaginar para quê.

Eu fiz uma careta.

— Quando eu te chamei para virmos para cá, você não pensou que...

— Não me culpe por ter esperanças — debochou. — Ainda mais depois daquele beijo.

— Engraçadinho.

Ele ergueu os braços para o alto e se espreguiçou. Então se levantou e pulou para fora do carro.

— Aonde você vai?

— Ver a Torre — respondeu, apoiando as mãos na lateral do carro. — Não foi para isso que você quis vir?

Eu assenti e subi no banco. Ele me deu a mão e me ajudou a descer. De pé sobre o cascalho, eu passei a mão no meu vestido para limpar da sujeira que a estrada empoeirada havia deixado no carro. foi até o porta-malas e pegou uma lanterna grande, que quando ligada parecia um farol de carro.

— Por aqui — disse, indicando o caminho.

Ele andou por entre as árvores com desenvoltura e despreocupadamente. Eu, no entanto, não conseguia me esquivar dos galhos com tanta facilidade.

— Você por acaso não teria um facão no seu batmóvel? — resmunguei, o que fez rir.

— Desculpe, falha minha. — Ele parou, afastando alguns galhos para que eu passasse. — Não estava esperando fazer uma trilha na floresta a essa hora, então deixei meu cinto de utilidades em casa.

— Você está demitido.

— Como guia?

— Como Batman. Devia estar sempre preparado para qualquer coisa.

— Tudo bem, eu me identifico mais com o Tony Stark mesmo.

Eu poderia imaginá-lo facilmente no papel.

Logo, o barulho de água corrente ficou mais alto, e levou só mais alguns metros para alcançarmos a clareira, onde a alta torre de ferro se destacava em meio à floresta na noite clara. A parte inferior estava cercada por arbustos e mato crescido, a hera escalava as gigantes pernas metálicas enferrujadas e cobertas de musgo verde.

Era bonito, de um jeito um tanto sinistro.

iluminou os arredores, como que para se certificar de que não havia nenhum perigo a espreita.

— Espera. — Eu guiei a lanterna na mão dele para vasculhar a área na direção da ponte ainda interditada até achar uma trilha onde o mato estava amassado,  uma óbvia e recente marca de pneus. Eu segui a trilha até o final. Na foto publicada no jornal, o carro dele estava ali. Foi graças ao rastreador antifurto do automóvel que a polícia o localizou tão rápido. — Por que inferno Liam arriscaria arranhar a pintura do carro vindo até aqui ao invés de estacionar lá atrás?

Eu ergui os olhos, mas estava olhando para a ponte. Os cabos metálicos pareciam quase inteiramente intactos, embora um pouco enferrujados, mas as tábuas estavam velhas e estilhaçadas, assim como eu me lembrava.

— Não faço a menor ideia — ele respondeu, sem me encarar. — Ele costumava pegar o jipe de Ronnie quando vinha, para poupar o adorado carro novo.

Obviamente, mesmo depois de um exame detalhado, eu não achei nada no chão. Qualquer coisa que Liam poderia ter deixado para trás provavelmente foi tomada como evidência pela polícia.

Eu suspirei, olhando para a ponte que se mantinha vários metros acima do rio, e enfiei as mãos nos bolsos do casaco de .

— Eu não consigo entender.

— O quê?

— Como Liam pode ter caído da ponte...

— Foi um acidente. É só olhar para o estado dela.

— Por que ele foi para lá, para começo de conversa? Você sabe que Liam tinha medo, não, medo não, pavor de altura. O que ele estava fazendo ali?

passou a mão pelo cabelo, parecendo frustrado.

— Eu sei tanto quanto você, .

Eu pisquei diversas vezes para afastar as lágrimas que teimavam em vir.

— Eu vou subir e dar uma olhada lá de cima. — Sem esperar por resposta, eu abri caminho pelo emaranhado de galhos e folhas até encontrar os degraus da escada anexa à torre. Eu segurei o corrimão e gritei. Uma lasca de metal quebrado tinha penetrado na pele da minha palma. Eu sibilei, parando para examinar.

— Você está bem? — perguntou , caminhando até mim. Ele praguejou quando viu o sangue na minha mão.

— Não foi profundo. — Só ardia para cacete.

vasculhou os bolsos da calça jeans até achar um lenço de papel. Depois de desdobrar e redobrar do lado oposto, ele o pressionou contra o corte. Eu fechei a mão, esperando que isso ajudasse a estancar o sangramento.

Tendo o cuidado de evitar a saliência afiada, eu subi os primeiros degraus. A escada rangia com a oscilação de peso. Eu olhei para baixo e vi me encarando. Bem na direção da minha saia.

— Ei — gritei, colocando a parte de trás da saia entre as pernas.

Ele revirou os olhos.

— Eu não estou olhando por debaixo da sua saia, . — Eu bufei e continuei a subir. — Mas eu gosto de vermelho.

Eu levei só alguns segundos para perceber que ele se referia a minha calcinha.

— Pervertido — grunhi. — O que está esperando para começar a subir?

— Eu não vou subir.

Parei e olhei para baixo mais uma vez.

— Então vá checar a ponte.

— Aquele troço velho não vai aguentar meu peso.

— Vai me dizer que está com medo? — debochei.

— Ah, ... Se eu aceitasse cada provocação que você me faz...

Irritada, eu estalei a língua.

— Ótimo, fique aí parado enquanto a dama aqui faz todo o trabalho sujo — resmunguei, seguindo pelos degraus enferrujados. — É como dizem, bonito demais para ser útil.

— Eu posso ser útil de muitas maneiras, . E algumas bem criativas. Posso te mostrar qualquer hora dessas.

— Não, obrigada — gritei de volta. — Maldito idiota convencido.

Mais ou menos na metade do caminho, os degraus se abriam para uma escada interna dentro do esqueleto da torre. Eu pisei cuidadosamente na plataforma de alumínio e segurei o corrimão com a mão intacta. Subindo agora com maior confiança, eu segui até o topo da torre. O telhado de metal era baixo, o que me levou a imaginar como eles faziam para subir os equipamentos. A última plataforma estava agora vazia, exceto pelo parapeito de aço em volta e pelas barras que sustentavam o telhado.  Inclinando-me sobre o parapeito, era possível ver  a uma longa distância, as montanhas pairando ao longe. O lugar onde dois rios se fundiam e formavam este que passava próximo de onde estávamos. Infelizmente tudo estava muito sombrio e escuro a despeito da noite clara.

— Viu alguma coisa? — gritou . Eu olhei para baixo e o vi a meio caminho entre a torre e a ponte.

— Não. E você?

— Nada.

Eu me virei para começar a descer quando senti algo sob meu pé. Pensei que era uma pedra, mas quando olhei para baixo vi uma corrente de prata delicada saindo de baixo do meu sapato. Peguei a corrente que sustentava um pequeno pingente. Era uma folha de prata quebrada.

Eu desci apressada as escadas, empolgada, e mostrei o colar para o .

— Estava lá em cima. Reconhece?

Ele encarou por um segundo e seu rosto se iluminou, e então ficou sério.

— É de Ronnie, Liam deu para ela. — Franziu a testa. — Ou pelo menos era.

— Acha que ela devolveu quando eles terminaram?

— Você sabia disso?

— Que eles terminaram? — Ele assentiu, e eu dei de ombros. — Ele me mandou uma mensagem.

se virou e ergueu a cabeça para fitar a torre.

— Pensando bem, é pouco provável que ela tenha devolvido, ou isso não estaria lá em cima.

— Ela deve ter perdido em alguma das excursões deles.

Ele deu de ombros, virando as costas para a torre.

— Você vai ter que perguntar a ela.

Nós iniciamos o caminho de volta para o estacionamento, mil coisas passando pela minha cabeça.

— O que aconteceu? — perguntei curiosamente. me olhou sem entender. — Por que eles terminaram?

— Ele não te contou?

— Não teve tempo para isso — respondi tristemente. Eu poderia pensar em mil e um motivos para Liam terminar com ela. A questão era que ele estava apaixonado demais para se importar com os defeitos da garota. Mas eu não me importaria de aturá-la por mais trezentos anos, vinte e quatro horas por dia se fosse necessário, contanto que eu pudesse tê-lo de volta.

O caminho para casa foi silencioso. , assim como eu, parecia perdido em seus próprios pensamentos. Havia um bolo preso na minha garganta, mas eu sabia que não tinha mais lágrimas para chorar.

Foi um impulso que me fez querer ir à Torre, graças ao que tinha dito sobre fantasmas e seus “assuntos inacabados”. Eu ainda não sabia se o que vira era real ou não, mas esperava que sim, pelo bem da minha sanidade mental. Não tinha certeza do que pretendera ao ir ao local de sua morte, talvez esperasse que ele fosse aparecer para mim e dizer qual pendência havia deixado para trás.

Meus dedos se fecharam em torno do colar quebrado de Ronnie. Ele não havia aparecido, mas a joia perdida podia ser uma resposta. Talvez o assunto inacabado tivesse a ver com a ex-namorada.

Quando chegamos a minha casa, eu tirei seu casaco e o pendurei no assento do passageiro.

— Obrigada por ter me levado.

— Obrigado pelo lanche. — Ele sorriu de volta.

Normalmente eu teria me despedido com um beijo no rosto, mas minha quota de beijos diários já tinha se esgotado.

Desci do carro e bati a porta. Comecei a andar em direção à porta da frente, quando me lembrei de algo.

— Ah, você pode ficar comigo amanhã? — perguntei, me inclinando na janela. — tem uma festa para ir.

— Claro. O que você vai querer?

— Pizza.

Meus amigos se intercalavam para ficar comigo nas noites de plantão desde que eu era criança — embora na época tivesse uma babysitter. Liam e principalmente, embora às vezes eu contasse com alguma das colegas de escola. A primeira vez que passou a noite comigo foi no verão anterior, quando e Liam foram viajar ao mesmo tempo. A essa altura, eu já passava a maioria das noites sozinha, mas, com meus melhores amigos viajando, eu comecei a sentir falta de companhia. Então convidei para ir ao cinema e depois ele dormiu na minha casa. Foi nessa época que nossa amizade se aprofundou e nos tornamos mais próximos, e ele passou todas as noites de plantão comigo até voltar. Depois disso, ele vinha me fazer companhia ocasionalmente.

— Até amanhã então.

Quando eu cheguei à porta, eu me virei para vê-lo acenar e finalmente dar a partida.

 

~Continua~


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